quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Moreno:

Ele dançava no vento. Seus braços eram galhos muito bem desenhados que balançavam contemplando sua solidão arbórea. O tronco era fraco, pouco se erguia, senão para sorrir (ou dançar). Ele era o amanhecer, o silêncio avermelhado que inundava o céu, as gotas da noite passada e o resto do sonho. Pouco mais do que um espinho na parede do quarto, era floricultura resguardada num lampejo de voz ou de olhar. Seus passos eram correntezas elevadíssimas, rios de neve que afundavam o assoalho do quarto. Olhos de quem diria qualquer coisa. E pouco mais abaixo, pétalas que acorrentavam sua humanidade ao profano feitiço da mortalidade.

Ele dançava com o vento como nunca antes se viu. Seu coração era tempestade de areia - nada se sustentava. Era um pobre tijolo manchado na parede. Era um muro muito muito muito alto. Um muro dançarino, talvez. Costeava por ele uma sombra gélida, um aconchego para os gatos do quintal e para a grama que o enfeitava.
Noite após noite era um sorriso moreno numa face escaldada pela dor. Um abraço esquecido e de repente.

Um entardecer aonde toda canção fala de amor. Uma praia roseada, enseada por um capricho da natureza. Ele era a rede que balançava, e pronto.
Quando eu o conheci, era um chá gelado e uma conversa delicada. Eu saboreei cada palpitar cardíaco e cada gota de suor que descia pelo seu peito. Nossas línguas brigaram numa mania que só nós conhecíamos. Ele engoliu cada parte de mim, e fomos um terremoto no Alasca ou quem sabe uma garoa bem fraquinha, dessas que não molha nada - nada além da nossa história.

Quando percebemos, estávamos cantando. A vida era um palco, esperando por um dueto. Eu pouco cantava. Subia lá só para ouvir aquela voz penetrar em mim como um sexo vagabundo. Eu mexia os lábios, franzia a testa e olhava. Tenho certeza que de que ele me desmentia. Mas não parava. E quando acabava era sempre o mesmo: Fazia dos meus lábios o sal e o limão.
Ele era tequila e eu rock n' roll.
Mas as tardes de domingo não são nada. É o meio do caminho que nunca chegará a lugar algum. Não é fim nem início. É como uma bebida que escorrega pela garganta.

Desde a última vez, nada mudou. Sentamos no gramado, aonde os gatos dormem, e ele enroscou o braço em mim. Acho que naquele instante eu não desejei nada. Travei minha mente num beco solitário e permiti que ele beijasse minha testa e partisse. Eu tentei segurá-lo, por um momento talvez, em vão. Era um domingo que terminava, como de costume.
Agora eu chego e fico de longe olhando. No horizonte eu consigo vê-lo dançar e até ouvir sua voz roubando minha pureza. Naquele balanço maroto, moreno, eu o vi chegar e gelei.

4 comentários:

  1. Sempre igual a si próprio ,adoro ler estes momentos que me fazem imaginar a verdadeira realidade por detrás de tao belas palavras que escreve,serao vagueios da mente que a alma tanto expressa ,um grande abraço Luis

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  2. Ah,e quando o vento chega,não tem jeito,renascemos em pureza de alma.Dançamos a dança dos tempos.Fazemos a festa.Palmas para o nossos corações.
    Amei o texto!Simplesmente,lindo!

    Beijão,Paz!Dani.

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  3. Caro amigo

    Gosto da forma
    como colocas
    a simplicidade
    nas palavras...

    Sonhar é voar com o coração...

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  4. "[...]Não é fim nem início. É como uma bebida que escorrega pela garganta. [...]". Não! Não é o Domingo que domina as palavras. Na verdade, Amigo, és tu quem conduzes a orquestra.
    Grande Maestro!...


    Abraços


    SOL

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