segunda-feira, 15 de abril de 2013

Eu sou... Clive B. Capítulo Décimo Sexto: Eu Sobrevivo aos Números

Rasgado. Após ter em mãos os documentos que reacendiam minha memória, minha lembrança reagiu junto aos estímulos nervosos da minha espinha dorsal, e como um selvagem, um animal talvez extinto no seu mais gutural ruído de raiva, fui levado a dilacerar cada dia que continha naquelas linhas.

Semanas, horas, datas. Eu sobrevivi aos números. Às hipóteses. E em cada possibilidade, relutei e confrontei minha já extinta paciência.


Eles sentem-se rejeitados. Vociferante como um predador nato no seu mais alto nível de sobrevivência, eu mantenho a distância exata, em passadas, ângulos, cossenos, respirações. Suficientes para atacar e devorar. Estou tão longe de todos eles, que isso dói. Tão inaceitável que as correntes de lágrimas dão lugar a esta raiva e reclusão. Eu renego todos, impondo minhas diferenças vorazes. As mais primitivas. Eu corto e fatio, e construo o que for preciso para essa alteração. Jamais seremos primos, vizinhos ou espelhos. Porque por mais próximos que estejamos materialmente, eu sempre correrei pra fora desse imenso mar que é a minha compaixão.


Eu faço as coisas de trás pra frente. Minha vida é um anagrama. Uma discordância das vozes e dos atos. Ideologias baratas, fáceis. Nada inovado. Eu apenas pego vidro e reviro em cacos. Tudo como era antes. E tudo como sempre será. Sem surpresas, sem alterações. A vida badalada e enfraquecida. Os lábios frios e as mãos congeladas.


E tornando-me cada vez mais estranho, distante (diferente), mais sofro. Mais me batem. Xingam. Sinto a raiva no fundo de suas íris manchadas. E não há nada que eu possa alcançar. Alçados sob um precipício obscuro, minhas correntes são incapazes de libertá-los. Eu permaneço com meus olhos vidrados, meus lábios secos. A mão trêmula que deixa escapar o copo (e o passado).


Vivo nesta cama, deitado. Imaginando como seria a vida. Admitindo e aceitando as derrotas sexuais, seticistas. Englobando a fé nesse pequeno redemoinho de uísque. E engolindo, gota a gota, esse Deus que me abandona justo agora, quando meus dias vão evaporando em centímetros. Enquanto minha pele resseca em metros cúbicos. Durante meus tragos dobrados, e agora já triplicados. E é claro, milímetro por milímetro da minha voz rouca, que não mais se expande.

Eu sou Clive, sobrevivente somente aos números.