quarta-feira, 29 de junho de 2011

Canção de Ninar - Parte 6:

Medo. Quando o subconsciente trava uma batalha indolor com nossas expectativas. Uma defesa natural que surge em contrapartida à confiança.

Medo. Quando todos os fantasmas e monstros do passado resolvem mostrar que não te esqueceram. É o que está no escuro da nossa alma. É um frio que como uma navalha, te dilacera facilmente e te desarma.

Medo. Um transe psicodélico em preto e branco. Um redemoinho de dúvidas avassalador. O tique-taque do relógio, que não para. Medo é insípido, incolor, inerte, insólito... Mas existente.

É mais do que uma força, é uma fraqueza. Uma fraqueza fincada à nossa coragem e selada aos nossos atos.

A Menina da Íris Cor-de-Rosa tinha medo do escuro. Quando as luzes apagavam, as incertezas se acendiam. Ela tinha medo de perder-se no nada, e nunca mais se encontrar. Por isso, quando as luzes apagavam, ela buscava conforto nas estrelas (estas que nunca perdiam o brilho).

Bastava-se uma dose e meia de medo para o gélido terror chegar à beira da Glória. O vento que balançava os galhos da Cerejeira era o mesmo que trazia consigo todas as palavras arrastadas do cemitério. Vozes veladas que vulcanizavam as ruas.

A garota tinha o brilho de suas Íris Cor-de-Rosa ofuscado pelo medo. Um medo viajante, inescrupuloso e vil. Ela tinha os lábios em tom nude e a voz em rouquidão. Ela tinha medo da solidão. Medo do esquecimento eterno, da tosse embriagada de anseios, de suspiros longilíneos e abandonados.

A Menina tinha medo, e isso bastara. Perdia o movimento e movimentava todas as perdas, como um alimento insaciável da angústia. Ela tinha medo de não ser reconfortada pelo Garoto Coração de Leão. Estava anestesiada pelo medo. Sentia-se culpada. A culpa também move o medo, e ela estava fixada a idéia de juntar-se ao amado, custasse o que for.

Para a Menina da Íris Cor-de-Rosa, a morte não era o fim, e sim um caminho inóspito até o Coração de Leão.

Céu, Nirvana ou Paraíso. Culpa, Amor ou Medo.
Ela escolheu suas cartas e apostou no caminho do Arco-Íris.

O Medo é ilusório. Um oásis em deserto de desespero.

A Menina da Íris Cor-de-Rosa foi em busca do seu sonho.
Numa mão tinha um punhal (já citado ao decorrer da história), e noutra o diário há muito tempo seu único refúgio, e em sua mente, agora livre do Medo, um único objetivo:

Estar junto ao Menino com Coração de Leão.

sábado, 25 de junho de 2011

Canção de Ninar - Parte 5:

Saudade. Foi só o que restara. O único sentimento capaz de afagar e ferir, ser desejado e desejar. Uma dose de esperança embebida em meras lembranças.

Saudade. Um suspiro em nome dos bons momentos. A recordação em forma de vontade. Vontade de ter novamente o que não se teve um dia.

Saudade. O que as ondas sepultam na areia, e o que as borboletas carregam no bater de suas asas. Fora qualquer sentimento, fiquemos com a saudade! Esta que não pode ser maquiada ou inventada. Esta que é arrastada pelo tempo como os ventos ao pôr-do-sol.

Saudade que se vive, saudade que mata.

O jovem Coração de Leão tinha saudade da mãe. De dormir despreocupadamente no seu colo. Tinha saudade da infância, quando beleza não era fundamental, e qualquer pequeno ato era sinal de inteligência. O garoto Coração de Leão tinha saudade de desbravar mundos no horizonte do seu quarto, e de dominar o medo, agarrado ao seu travesseiro. O menino teve sua saudade servida em bandeja de prata.

O jovem tinha saudade de encontrar uma terrível selva em meio a um jardim que ele plantara, colher sorrisos em lábios de açucena e de ver brilhar tais olhos com Íris Cor-de-Rosa.

O garoto com Coração de Leão teve a saudade arrancada do próprio peito. Amor, desamor e dissabor. A saudade se foi, a ferida ficou.

A morte jamais representará seu fim. Será sempre um reinício. Tudo morre para outrora renascer e se renovar. Trata-se de um grande ciclo de “reexistência”. Não morreria ele, ao perder a vida. Morreria somente ao perder a saudade e a esperança.

E a vocês, posso afirmar: Não diria que o Astro com Coração de Leão morrera definitivamente naquela noite, mas posso dar-lhes certeza de que naquela manhã até a noite que sucedera, ele havia morrido uma porção de vezes...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Canção de Ninar - Parte 4:

Desiludida. É assim que se sentia a garota que usava a Meia Sete Oitavos. A garota sempre fora ingênua e sonhadora. Acreditava no verdadeiro amor e na total entrega. Porém, uma decepção mudou o caminho de seus pensamentos. Após perceber o quão ruim a índole de alguém pode ser, a menina perdeu a vontade de sonhar. Sentia-se a única pessoa decente que acreditava na pureza. A garota é a prova viva de que o meio onde se vive pode transformar a mais bucólica moçoila na mais fugaz das borboletas.

Decepcionada. Ela apagara de sua mente o tempo de sua vida em que era uma bobinha (assim a considerava, a partir de agora). Ao contrário do que possam pensar, a garota da Meia Sete Oitavos, não chorou. Passou a cuidar do jardim, como se esperasse brotar algo além de flores. E brotou. Sonhos em lápide de cristal eram tudo de que se lembrava. Era agora, uma Flor de Lótus ferida pela desonra da paixão leviana.

A jovem, que se espinhara numa rosa de dor, prometeu nunca amar, e assim não sofrer novamente. A menina que tinha os cabelos ondulados em sincronia com o vôo das borboletas e lábios de pura traição rubra apegou-se à solidão. Caçadora de corações, a menina da Meia Sete Oitavos possuía toque de Midas e beijo de Judas.

Logo, o jardim florescera como um rio d’ouro que serpenteava o planalto, e desabrochava ao pé da já conhecida Cerejeira.

Certo dia, hipnotizada com a aurora dos vagalumes e embriagada com o pólen das margaridas, a garota viu-se em frente à Grande Árvore. Então se deitando na grama e apanhando um envelope púrpura entreaberto, desdobrou uma carta que passou a ler. Nela dizia:

“Querido Coração de Leão, jamais aceitarei o fato de abandonar-me, todavia perdoarei. Lamento todos os dias, não ter estado contigo, mas saiba que seu doce amor selou minh’alma. Apesar de desacreditado, você pôde amar. Não fugi, estarei sempre a escrever-te, e através de confusas, porém magníficas almas, sei que as mensagens chegarão a você. Espero que cada consolo sirva também a vocês, que se vêem sozinhos. O amor é como um tijolo: Você pode construir uma casa ou afundar um defunto. Sei o quanto o homem é terrível, mas por mais que sintam-se fracos, apeguem-se às obras da Mãe Natureza. Afinal as estrelas sempre brilharão, as flores sempre encantarão e a brisa sempre os acolherá. E a você, meu querido Coração de Leão, desejo que leve consigo sempre e para sempre a esperança de amar...”

Menina da Íris Cor-de-Rosa

Quanto à Garota da Meia Sete Oitavos?

Bem, o que posso dizer é que daquele dia em diante, a Lótus passou a germinar ao lado da Cerejeira, amparada pelas Estrelas e acompanhada dos Vagalumes... para sempre.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Canção de Ninar - Parte 3:

Passando pelo parque, no meio da tarde, o garoto com Sapatos Vermelhos pôde avistar de longe, sob o tronco de uma imensa cerejeira, uma espécie de carta, que chamou-lhe a atenção na mesma hora.

O jovem estava a caminhar, sem rumo certo, apenas em um transe profundo como de costume, quando buscava algum tipo de resposta para uma pergunta ainda não feita.
Nesse momento ele podia concentrar-se e assim desvirtuar-se de falsos apegos (sejam eles materiais ou melódicos).

Ele estava num labirinto. A saída que ele procurava simbolizaria a resposta obtida. Mas ele estava muito longe de adquirí-la. Na verdade, quanto mais caminhava, mais o menino afundava-se no seu subconsciente.

Não prenderei-lhes em demasiados detalhes sobre a vida do garoto com Sapatos Vermelhos, mas o que posso resumir, é que o garoto vivia numa vida que não era a dele. Ele estava a escrever uma história na qual não sabia mais quem era o protagonista. Ele escrevia, apesar de prerferir pintar.

Em busca da sua própria identidade, o garoto assumiu diversas falhas, que carregava consigo até hoje. Cada personagem e cada erro acumulado, o distanciava cada vez mais de quem ele realmente era. Estava ele submerso num riacho de hipocrisia e moralismo.

O jovem tinha sorriso vazio, olhar curioso e cabelos bem penteados que imitavam um sábado de luar. Tinha fala ligeira e inóspita de alguém que tem muito a dizer, mas que faltava coragem de encontrar sua própria alma.

A esta altura, ele não sabia se o que o tinha tornado fulgaz era a pressão do meio que o influenciava, ou sua própria incapacidade de reação. O menino de gestos fáceis e trejeitos misteriosos, tinha alma de Peter Pan.

Mas enfim, sentando-se à sombra da cerejeira, e com uma enorme nuvem cobrindo os raios solares, o garoto tendo a carta escrita pelo menino Coração de Leão em mãos, sentiu-se acolhido. As folhas que caíam da árvore eram como vagalumes que dançavam a seu redor.

Tomado por um espírito zombeteiro, o garoto desdobrou rapidamente o papel, e assim fitou-lhe os olhos, e passou a ler:



"Eu lamento não ter sido forte o suficiente, mas ao olhar pela janela, percebi que a neve havia cessado. O sol estava tímido e soprava um gélido vento, que me hipnotizava. Eu olhei para os lados e não a vi. Eu sei que você estava sozinha, mas eu também estava. Eu nunca pude ser quem realmente sou. Mas você... oohhh minha querida, você será sempre um sonho tatuado na minha alma. És corajosa e sempre será livre. Liberte seus demônios culposos. Mergulhe, corra e grite. Faça tudo que não tive coragem de fazer. Não serei um peso para você como fui para minha mãe. Nunca pude ser feliz, mas agora que arrancarei o mal que tanto arrebata as pessoas, do meu próprio peito, serei livre como você. Espero um dia poder ver seus olhos Cor-de-Rosa novamente, pois o brilho que me foi prometido, não passou de uma utopia.
Agora encerrarei esta história, não mais nos veremos, mas quero que saiba, que eu tive o melhor momento da minha vida, e devo tudo isso a você.
Minha linda, este coração que bateu somente por você, agora não baterá mais..."




Ao terminar a leitura, os vagalumes que ali estavam, rodeavam o garoto com Sapatos Vermelhos, que agora tinha em seu rosto uma lágrima e nada mais.

O jovem levantou-se, e mesmo sabendo que havia outra folha no envelope, dobro-a como antes estava, e deixou a carta onde a encontrou.

Ao afastar-se do local, o garoto sorriu. Ele ainda não sabia ao certo quem ele era, mas havia achado a saída do labirinto, e agora era muito claro pra ele, que essas eram duas coisas absolutamente diferentes.


O garoto encheu-se de coragem, e decidiu ser o que o fazia feliz.

E ao pintar seu primeiro quadro, não pôde jamais esquecer dos vagalumes que dançavam, quando ele foi feliz pela primeira vez.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Canção de Ninar - Parte 2:

A menina da Íris Cor-deRosa, sempre sentiu-se incompleta. De uma maneira que nem ela mesma conseguia explicar, ela sentia-se sozinha e deslocada. Aos poucos, foi percebendo que todas as pessoas tinham seu preço. Mas ela resolveu que as pagaria com amor.

A jovem, questionadora por natureza, era uma artista. Insipirava-se nas mais longelíneas sensações, e assim escrevia. Seu amor pelas palavras era o único a qual ela considerava verdadeiro.

Quieta, de longe observava tudo, e assim tornou-se uma coadjuante na sua própria história de vida. Mal lembravam de seu nome, mas ela não se importava, afinal ela também não o conhecia. A menina que tinha a Íris Cor-de-Rosa como uma violeta selvagem, acolheu-se na luz das estrelas. Vez que outra, era possível pegá-la deitada, observando os céus. Por diversas vezes, viu o sol transformar-se em lua.

Era uma garota de sorriso brando e pela macia e aconchegante. Sua mãe dizia que ela sempre teria seu colo, para afagar-se.

Numa tarde de outono, a jovem recebeu a notícia que mudaria sua vida: Sua família havia morrido num trágico acidente, na qual ela jamais saberia detalhes, afinal após ouvir as palavras "eu lamento", ela correu. A menina correu para nunca mais voltar.

Após sepultar seu último sorriso arrastado por um mar de lágrimas, a menina pode ver no horizonte, um lindo unicórnio branco. Ela sorriu pela última vez.

Sentada na grama de lugar nenhum, onde as brisas pairavam sobre as folhas de cerejeiras que ali perpetuavam há décadas, a garota ficou. Tentava resgatar na memória algum bom momento, para alegrar-se. Não lembrou de nada. Só no que pensava, era que sua mãe havia lhe prometido companhia para sempre. Mas o para sempre foi um para sempre pela metade.

A menina da Íris Cor-deRosa levantou e correu. Correu como se soubesse onde deveria ir. Correu tanto que perdeu o rumo ( ou talvez o encontrou)...

Ao abrir a porta, viu o menino Coração de Leão com os pulsos mutilados e alma vazia. Os pulsos ela pôde curar, mas a alma dele estava longe demais a esta altura...

Passado o episódio, a menina sentia imenso orgulho do jovem Coração de Leão, e toda noite contemplava as estrelas e pescava novas esperanças.

Embreagada no êxtase das palavras, a menina não parou de escrever. Viu nas folhas que virava, um eterno refúgio, e assim mergulhou com todas suas forças. Foi o preço que ela tinha que pagar.

No dia seguinte, a menina havia desaparecido. À noite, duas estrelas brilhavam em seu apogeu, e um livro estava sob o tronco das Cerejeiras. Nele estava gravado o seguinte Epílogo:

" O Menino Coração de Leão e a Menina da Íris Cor-de-Rosa, uma Canção de Ninar".






Os Astros, brilhariam, enfim, juntos para sempre.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Canção de Ninar:

Desolado. Decepcionado com a insensibilidade e fugacidade humana, o jovem Coração de Leão planejou pôr fim à sua existência. Preferia a morte à uma vida sem amor.

Quando criança, sua mãe lhe disse que ele nasceu para ser um astro. Ela não se referia à fama, e isso ele logo percebeu.

Durante sua vida, ele foi discriminado e agredido. Não o aceitavam do jeito que ele era. Coitado, ele não compreendia tanta raiva. Era tão ingênuo, que soava como fraco.

O menino Coração de Leão estava sozinho. Chegou a pensar em mudar e fingir ser outro. Mas não conseguiu. Ele tinha coração. O doce menino aterrado em seu maior pesadelo. As pessoas o acusavam, xingavam e até o excluíam. Ele passou a se sentir estranho. Um monstro! Olhava-se no espelho durante horas e chorava, sem entender o que havia de errado consigo.

Certo dia, resolveu arrancar da sua alma o que todos diziam ser tão ruim. O jovem Coração de Leão com um punhal em mãos e o pulso mutilado, viu as luzes virarem sombras. Por sorte (ou talvez destino), foi salvo rapidamente pela menina da Íris Cor-de-Rosa.

Passado este episódio, o garoto juntou forças e resolveu seguir em frente, após muito esbravejar culpando sua mãe de tê-lo iludido com falsas esperanças.

Ele estava decidido a rebelar-se contra todos. Não aguentava mais ser discriminado. Porém numa noite, acordou de repente de um sonho com sua mãe, e ao aproximar-se da jenela, viu uma estrela brilhar em destaque. Era como se estivesse lendo uma mensagem cósmica.

Passou-se o tempo, e o jovem que teve seu coração congelado pela perversidade mundana agora agia como o inocente menino que sempre foi.

Não se acostumara jamais com tanto perjúrio e ofensa. Ele fugia de tudo e todos. Nunca aprendeu a lidar com as hostilidades. No fundo de sua alma, ele só queria amar. Amar e ser amado. Para ele, este é o único refúgio a qual podemos recorrer. Sem amor, sentiu-se fadado à solidão. Ele sabia que todos são únicos em suas essências, e desejava com todas suas forças, que todos percebessem isso.

Mas o jovem Coração de Leão sentia-se preso a um eterno sonho, que nunca se realizaria. Numa noite, em seu quarto, sendo afagado pela silenciosa brisa de despedida, o menino contemplava as estrelas. Então enxendo seus olhos de coragem (pois as lágrimas haviam secado), empunhou uma adaga na mão esquerda, e num só movimento atingiu o próprio peito. Os olhos fechavam e tudo era tomado pela escuridão, exceto as estrelas que continuavam a brilhar. Ajoelhado e com o Coração de Leão agora perdendo as últimas batidas, põde sorrir aliviado e feliz, pois agora ele teria um Lar.





O menino realmente era um Astro.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Amante em Ascensão:

Embreagado. Depois de embebido a última gora de perversidade e voluptuosidade. Embreagado. Depois de abarcá-lo ternamente. Abalroado. Confuso e trépido. Beijado por lábios de açucenaa com hálito singular.
Meu amante (no sentido romancista da palavra), sequer entende de um ábaco ou coisa parecida. Mas é dono de uma abstança cultural incrível. Ele é do tipo calmo como um sereno e límpido céu, que por vezes abespinha-se como uma ressaca marítima.
Minha amante fulgura e encanta num bailéu sentimental de maneira prudente. Fulgaz e ponderada, guia-me como num cabriolé puxado por um unicórnio.
Dantes perigoso, agora imprescindível. Ele é chuva de prata guardada num frasco de veneno. Recita-me éclogas que soam de forma ingênua.
Minha amante facínora, vil e veloz, leva em seu pescoço, um pendante cor-de-rosa. Veste-se com gabarito e elegância. Isto me atrai. Seu andar é fulgaz e impiedoso.
De maneira lacônica, meu amante conquista-me. Não consigo resistir aos seus olhos de ressaca e à sua voz arrastada. Um beijo de nécar e um sussurr bandido.
Ele/Ela é o meu vício. Meu lábaro ostentado em montanha d'ouro.
Embreagado. Embebido da última gota do seu amor selvagem e ilusório. Satisfeito.
Morte em tráfico de amor.